Simbiótico

domingo, junho 06, 2004

O fim previsto do engavetador



Cospe nas mãos e ajeita o cabelo ruim, herança genética que sempre quis se livrar. Olha no espelho esboçando um sorriso acanhado. O ânimo batia todos os dias na sua porta. Era essa a rotina antes de chegar ao novo emprego, bom não era, mas nem reclama; afinal, sua fonte de dinheiro.
Com muito orgulho, inicia como assistente de engavetamento. Queria mostrar serviço, tratava de entregar rápido, os papéis a serem engavetados. Entre um elogio rasgado e outro, o emprego se tornou monótono. Há 5 anos no mesmo cargo, e o aumento de salário...
Bateu o pé. Decidiu que já era mestre de obras. Primeiro engavetou o desejo de ter um conversível, como num efeito dominó devastador colocou apartamento, família, lar, comodidade. O olho marejado, viu o sonho de ser doutor, estacionar de mansinho, lá no fundo.
Chegou ao extremo, não tinha mais o que fazer. Olhou uma gaveta vazia, meio empoeirada, porém com um certo conforto. Não resistiu. Fechou bem os olhos e se jogou gaveta adentro, feito kamikaze.
Ficara completamente estropiado. Os ossos, boiando sobre aquela gelatina viscosa, com matizes de vermelho alucinado, fazia a gaveta dar risadinhas debochadas. Por um instante, passou uma esperança zombeteira; chegou a crer que poderia sair de lá. Apesar do seu estado fisíco, não colaborar muito.
Tarde demais. Um boy maldoso, afoito por uma peraltice, trancou a gaveta e jogou as chaves no vaso sanitário, dando descarga logo em seguida. E ele, ficou ali, esquecido no meio de papéis e formulários.



Fale comigo antes de catar qualquer coisinha por aqui.