O Desfile
Favela do Rio de Janeiro. Sete de setembro. A população exultante. Nada de pão e circo, aqui quem faz o espetáculo é a galera. Um formigueiro humano se estende nas calçadas, são pretos, brancos, amarelos; em torno de um só ideal: o desfile.
Todos querem ver seus filhos, o vizinho que toca caixa, a mocinha segurando a bandeira da pátria amada. Lá vem sorveteiro, faz graça com a moça. O moleque sem dinheiro, pede um saquinho de pipoca pro tio desdentado. Um dos raros momentos, em que a comunidade inteira se reúne alegre, em polvorosa.
Há um nervosismo nas imensas filas indianas, todo mundo quer fazer bonito, dar o melhor de si. Ele beija o santinho que carrega no pescoço, pede aos alunos para lembrarem da aula de história. Os romanos. Corneta, o aviso está dado. Começa o desfile.
Tum! Tum! Tum! Estocadas fortes no bumbo dão os sinais da dureza que é tocar na fanfarra. Não há reclamações. Uma alegria contagiante e expressões de garra marcam o ritmo da marcha. Incentivados pelos aplausos, aos montes. A garota pula, grita, descabela-se na esperança que seu namoradinho, tocador de caixa, olhe para ela. Em vão. No angulo de visão dele só há a caixa e a mão sangrando. É coisa pouca, não pára, o sucesso da fanfarra depende do seu sacrifício.
Eles marcham. A coca rola. O asfalto ferve, no morro é só tiro de pistola. No pó, as batidas ficam mais alucinantes, as garotinhas do colégio parecem mais libidinosas, os pivetes tocando, cobaias. Na boca do traficante a comunidade é puta, bem de uso, está à mercê da parada. É sempre assim, passa feito rolo-compressor. O desfile revitaliza. Pelo menos ali, a desgraça se torna fútil. É Deus por todos e cada um dando um pouco de si.
É só reparar no menino. É preto. É sujo. É brasileiro. É gente com agente de miséria. Não importa, o momento é seu. Todos de tênis e, é só ele, com suas chinelas havaianas, roupa rasgada, nariz escorrendo. Tinha que estar lá, xodó da turma. Olha orgulhoso. Marcha firme, no ritmo, bate o pé com força, peito estufado. Na face do menino o desgaste do desfile maçante. Na boca do político o futuro de nosso país.
Aos poucos, tudo vai terminando. Em cada rosto o sorriso de tarefa bem feita. Abraços. Beijos. Os parabéns dos familiares, a comunidade inteira unida. Mas o que ninguém consegue esquecer é o cheiro de abandono dos bueiros e que lá, no morro, assassinaram mais um infeliz.
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