Abrira a porta e sentou-se na cadeira que ficava ao lado. Tirou os sapatos, olhara para a meia. Notara um furo novo. Engraçadinho até. Quanto aos sapatos, atirou-os longe. A trabalheira mesmo foi para tirar as calças. Não saia. Como se a sua pele estivesse impregnada de cola. Também, sempre usando a mesma. Ficara irritado:
- Porra, eu não vou deitar na cama todo sujo!
A luta foi grande. Talvez uma meia hora de embate, ou mais. Era tentar abaixá-la e pimba: a cada nova tentativa, ela se agarrava com mais força às suas pernas. Estava meio irritada, a calça. Na medida do possível, ele se contorcia: rebolava pra cá, rebolava pra lá, tentava puxar pela barra e nada. Nem o zíper abria. Uma tortura.
Pior mesmo, foi à coceira causada por uma pulga, em estado agonizante, bem no meio da sua perna. Uma dobradinha certeira do joelho e, crac, foi-se à pulga. Ficara a calça. Esgotando-se todas as possibilidades, chegara mesmo ao cumulo de acariciá-la. Arqueava-se, desnivelava-se todo, deixando a boca sorrateiramente próxima ao seu jeans-bate-enxuga, sussurrava:
- Ô meu bem, meu docinho, seja queridinha, vai?
Depois gritando:
- Sai desse corpo que não lhe pertence, caralho!
A calça, sempre no seu modo linear. Apesar de ser muito desbotada e deveras encardida, era, antes de qualquer coisa, determinada. Aguerrida mesmo. Não se afastara um milímetro. Parecendo uma fêmea protegendo o ninho.
Deve ter cansado. Viu no relógio: já era tarde, a madrugada varava. Aquela lengalenga toda o deixou ainda mais entediado, mais irritado. Não estava assim quando, instantes atrás, entrou quarto adentro, cantando um desses boleros vagabundos. Olhara novamente para o relógio e os minutos com o peso bruto de uma hora lerda, assanhavam ainda mais os tiques. Passava varias vezes a mão pelo rosto. Fungava. Rosnava. Depois, ficava visualizando um ponto fixo no chão. Para que talvez ali, surgisse a solução daquela agonia. Pensou que era apenas um sonho ruim. Antes fosse assim.
Ouvira um ruído. Um pequeno ruído. Espanando o silêncio das paredes sujas. Viera da cama. A esposa. Todo o tempo passado naquela luta atroz, e não reparara na companheira que dormia lívida. Tratou logo de se aconchegar ao seu lado. Para quem sabe, usufruir daquela paz reluzente no semblante dela.
Observou-lhe melhor o corpo. Parecia até que nunca fizera isso antes. Por um instante, riu-se. Lembrara de quando começaram a namorar. O flerte. Os bilhetinhos em sala de aula. Os olhares desencontrados. Ele com dezoito, ela com dezessete. Mas, repentinamente, fechara o cenho. Lembrara também do filho inesperado, as brigas com o pai dela, a união apressada, o curso técnico tão sonhado, só sonhado mesmo. Mas apesar dos pesares, os anos de casados, ela mantinha nas coxas, o vigor da juventude. O mesmo vigor que o fazia ter arranques de alucinação.
Fazendo-o bolinar a mulher, vorazmente. Apertando-lhe os seios, querendo espremer a sua excitação num copo de suco. Com a mão grossa de calo, enveredando-se rapidamente por entre as virilhas quentes da esposa. Roselaine lá, deitada de lado. Dando as costas, para as brutas caricias de Paulo, que lhe sufocava corpo, pensamento, e algum resquício de alma, perdido num choro mudo. Ficando assim, imóvel e perplexa. E ai de ele parar. Já não sabia mais qual era o limite entre fantasia e realidade. A pegou – bruscamente - para si, arrancando-lhe violentamente a calcinha. Foi quando Paulo percebera que não havia se livrado das calças. Puxara varias vezes o zíper. Não abriu. Roselaine, desnudada, sentiu toda a voracidade daquela sandice. Gritara, desesperada:
- Homê sossega, vai dormir, por favor! Amanhã cedo você tem que bater reboco!
Ele, como se não estivesse fazendo nada demais, como se fosse apenas uma brincadeirinha, continuava dissimulado. Não ia parar. Não conseguia. Não era normal. Dotado de uma força brusca, fazia movimentos violentos na companheira, friccionando o zíper da calça nos seus glúteos redondos. Naquele misto de prazer e raiva. Machucava-a. Esfregava com força. Até sentir que a matéria da sua insanidade jorrava quente dentro da cueca.
Aliviado, virou pro seu canto. Dormiu – poucos minutos - até ouvir o trim-trim do velho despertador. Olhou pela fresta da parede, já era dia. Vida bandida. Calça maldita. Novamente na rotina. Sentira a boca seca, fora ao banheiro. Recebera o golpe vil do espelho, mostrando sua cara débil e inchada. Mais uma vez, renovou a promessa: - “Tenho que parar de beber”. E saiu assim, cambaleando, para mais um dia de trabalho.