Andanças
Companheira inseparável de miséria e vício. Perambulava pelas ruas da cidade mendigando o essencial para sobreviver. Vivia, assim, sempre de mãos dadas com a "Cachaça", que por vezes se mostrava companheira. Única a prestar qualquer tipo de ajuda, em gestos de uma solidariedade singular.
Nunca se soube se tinha nome, família ou conhecido. Sua cúmplice era a própria sombra, uma vez que à aparência nada revelava diante da face gasta e desbotada. Sem nome, era apenas mendiga. Repulsiva figura, de cheiro rançoso e andar arrastado.
Gritava a todos a decadência humana em seu limite supremo. Era impossível fugir a seu olhar morteiro. E, uma vez cruzado, perseguia vida afora com seus risos desdentados de gengivas podres e estômago oco.
Andava de pés descalços, corroidos pelo asfalto, ia não sabe-se onde. Sua casa, era à primeira esquina que caisse sem forças para levantar. Com o sol a pino na cara, dilacerando, as feridas, na carne encardida de poeira acumulada. Subia-lhe pelo pescoço e nuca moscas varejeiras atraídas a lamber vazamentos infecciosos dos ouvidos.
Ainda assim, por trás daquela carcaça necrosada, havia algum resquício de pureza feminina, ocultando o glamour da vaidade, ainda que em estado deplorável.
A grandeza da caridade pública era o asco, com olhares infestados de desdém. Talvez o jeito bronco de abordar, assustava as pessoas, principalmente os pivetes desocupados, que se encarregaram de encerrar a vida daquela mulher.
Recebida a pedradas, vaias e murros nas costas, foi atirada, ao chão, aguentando bicas no corpo. Pauladas nas pernas cansadas, mijo no rosto deformado... - "Bigada fio". Proferiu as ultimas palavras antes de cerrar os olhos para sempre. Morreu jogada ao meio-fio da calçada.
Apesar da existência "apagada", ficaram as moscas, a imundice e todas as misérias que a vida faz questão de jogar na cara. Exposta na pequena nota dada pelo jornal: "Corpo de indigente encontrado no meio de lixão".